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domingo, 8 de novembro de 2015

*"o lodo todo que pela janela passa"


"Pois há do lado de dentro um mundo que é seu que não esqueceu e vive a vagar.
E o que aconteceu foi que aos poucos doeu, aos poucos doeu, doeu divagar"
*Gabriel Kieling





trezentos e cinquenta curtidas num anúncio de uma tocada. chuva, casamento no interior: nem vinte presentes, entre garçons, mãe meio-irmão e casais. um casal de cãs e a vida às vezes só nos quer dar um canto para cantar em paz. ironia entre o que reluz em preto e branco, estático,  perfeito, sem som e o que se movimenta,  todo dia, abre a boca, se desfaz. parece que há pouca resposta para o que acontece lá fora: os escândalos,  a lama, o veneno sobre a mesa, os dólares e os anos a mais da aposentadoria,  que pra minha geração,  é certo, nunca virá.  se gritamos,  se gozamos, se escrevemos, se debatemos, batemos, pixamos, colamos, se descolamos, calamos, repensamos. quantos nãos cabem na equação.  parece bobagem mas não era não. e o domingo pode ser vitorioso só de sair da cama e se lembrar de cultivar afeto, dar risada, abrir carta, olhar no olho. não nos abraçamos mais, mas ainda sabemos dar a alma se preciso for.
quando o lugar é lento, a saudade chega mais depressa.  aqui, meu caro, encontrar com os seus é olhar pras coisas e reencontrar com o cheiro das coisas, com um lugar que já não há. é ter mais dois olhos que vêm o que quase ninguém mais vê.  e assim, nos seguramos na cumplicidade da memória para tanto descompasso do agora e, ainda assim, tanta ferida em comum.
confessamos que não fomos feitos pra acabar, mas pra dar certo e isso nos mata mais que a falta de emprego,  o dolar alto, o excesso de remédio e de veneno.
mas tudo isso que se costura de chão é feito de muito céu.  e há que se estar atento pra não perder o próprio bonde, que as vezes só ronca no silêncio,  só anda no di-vagar.
se ar pesa, pode ser o dono do mundo nos ensinando a arar, cultivar, carpir, semear. o sonho resmunga, confunde, consola. é ferrão enfiado na carne. pus cuspindo. veneno ganhando sol, às vezes pode até curar.